Do estado<br>a que isto chegou
Uma sequência de acontecimentos dos últimos dias é particularmente reveladora do estado a que chegou o processo de integração capitalista europeu.
Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu, durante uma conferência de imprensa em Amesterdão, interrogado por um jornalista português sobre questões relativas à resolução do BANIF e às responsabilidades do BCE no processo, responde com ar enfadado e sobranceiro, próprio das altas patentes da burocracia europeia notária dos interesses da alta finança europeia, que nada tem a dizer sobre o assunto. Ao que acrescentou, sobre uma possível interpelação da comissão de inquérito do parlamento português ao BANIF, que o BCE «não presta contas aos parlamentos nacionais», apenas ao Parlamento Europeu. E ponto final.
Perante isto, curiosa e elucidativa foi a reacção de uns – o CDS, por exemplo, dizendo prontamente que sim senhor, que assim sendo, pela parte que lhes tocava, lá fariam umas perguntitas no Parlamento Europeu a sua excelência o senhor vice-presidente, sem por um instante sequer pôr em causa o sentido e o conteúdo das afirmações de Constâncio –, como merecedora de registo foi também a falta de reacção de outros, em especial dos pungentes defensores da União Bancária como uma das pedras sobre as quais se iria, democraticamente, edificar o que ficou por fazer da União Económica e Monetária.
A arrogância de Constâncio só surpreenderá os mais desatentos. Nas últimas semanas, já haviam saltado para as páginas dos jornais desconcertantes mensagens de correio electrónico alegadamente trocadas entre burocratas da Direcção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia e membros do Governo português, em finais de 2015, nas quais os governantes lusos eram instados a entregar o BANIF ao Santander. O que, como sabemos, veio mesmo a suceder. O Estado funcionou como um depositário dos prejuízos e um agente de limpeza, para entrega do BANIF, livre de riscos e prejuízos, ao Santander. Uma solução orquestrada pela Comissão Europeia e pelo BCE, comunicada por canais mais ou menos informais às autoridades nacionais e finalmente assumida pelo Governo português. Tudo dentro do espírito da nova legislação da UE que leva o nome de União Bancária.
Em suma: o povo paga, o grande capital decide e arrecada o pago. Pelo meio, o grande capital mandata os seus representantes para anunciar a decisão. Estes comunicam-na a quem tiverem de a comunicar e, no fim, se o povo lhes vier pedir contas dizem que não respondem coisa nenhuma. E que, bem vistas as coisas, não estão cá para prestar contas ao povo que arcou com os custos das suas decisões.
O episódio, por si só, já diria muito do estado a que tudo isto chegou. Sucede porém que dois dias volvidos sobre as declarações de Constâncio, somos confrontados com outro acontecimento revelador.
No final de Março, os deputados do PCP no Parlamento Europeu tomaram a iniciativa de solicitar à Supervisão Bancária do BCE (pelouro da responsabilidade do seu vice-presidente, Vítor Constâncio) «toda a informação, documentação, pareceres técnicos e conclusões relativas ao acompanhamento e supervisão do sistema bancário português».
Vale a pena detalhar que o BCE assume, no quadro da União Bancária, competências de supervisão das instituições bancárias dos Estados-Membros desde Novembro de 2014. As suas Direcções-Gerais I e II são responsáveis pela supervisão directa de cerca de 130 bancos considerados «significativos» e a III é responsável pela supervisão indirecta dos bancos «não significativos». Ou seja: todo o sistema bancário português é supervisionado pela Supervisão Bancária do BCE, incluindo bancos que foram alvo de resolução, como o BANIF.
Sem que a informação solicitada tenha sido transmitida, até a data, aos requerentes, pelos canais próprios, a presidente do conselho de supervisão do BCE decidiu tornar pública a resposta à solicitação feita pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu. Fê-lo dizendo... que nada tem a dizer! A justificação deixou-a na conta de Twitter (!) da instituição: «o BCE está sujeito a requisitos de segredo profissional». E ponto final.
Mais uma vez: o povo paga, o grande capital decide e arrecada o pago. Os seus mandatários não estão cá para dar explicações. Confirmar-se-ia, assim, deste modo lapidar, a moral desta história, não fosse o facto da dita cuja não ter ainda chegado ao fim...
É que virá o tempo em que o povo tomará em suas mãos tudo o que a ele lhe diz respeito – supervisão bancária incluída.